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Parir em Paz

Parir em Paz

Artigo de opinião HumPar, Janeiro de 2008

A cesariana representa mais de 30% dos nascimentos em Portugal

“É do conhecimento público que a forma de encarar a cesariana, evoluiu significativamente nos últimos vinte anos”…É assim que começa o prefácio do livro “A Cesariana” de Michel Odent, escrito pelo Prof.Jorge Branco.

Mas será que é do conhecimento público os riscos.versus.benefícios desta forma cirúrgica de nascer?

Será que existe no público, um sentido de reflexão sobre este assunto?

Até que ponto o público conhece os factos, tem interesse em saber e participar numa decisão responsável e consciente sobre esta temática?

Seguramente, não são públicas as taxas de cesariana de todos os hospitais portugueses:públicos e privados…

Também não são públicos os critérios que definem a tomada de decisão para um nascimento por cesariana, nem os procedimentos de atendimento ao trabalho de parto e o parto, que possam ajudar a evitar o desfecho em uma cesariana.

Pública é sem dúvida a ideia que se tem vindo a generalizar, de que nascer por meio de uma cesariana, é…NORMAL!!!!

Temos assistido a um crescente aumento das taxas deste procedimento cirúrgico desde os anos 80 , com uma passividade e naturalidade, tanto por parte dos profissionais de saúde, como por parte das grávidas e suas famílias, de uma forma inconcebível, numa sociedade desenvolvida e supostamente civilizada…

Se bem que seja um fenómeno característico da sociedade ocidental e países desenvolvidos, como se explica que em 2006, a taxa de cesarianas tenha sido,

- de 22 % em Espanha

- de 23 % no Reino Unido

- de 19.6 % em França


- superior a 30 % em Portugal nos hospitais públicos

- superior a 65 % em Portugal nos hospitias privados,

quando se recomenda que essa taxa:

- se situe entre 10 a 15%,pela Organização Mundial de Saúde

- seja inferior a 30 % , segundo o Ministério da Saúde Português ??

E porquê preocuparmo-nos com estes dados?

Simplesmente porque há riscos acrescidos numa cesariana, muito importantes para a saúde da Mãe, do bebé, e em futuras gravidezes, que não podem ser desvalorizadas, ocultadas ou ignoradas…

Os riscos de uma cesariana quando comparada com um parto vaginal, são os seguintes:

Riscos para a Mãe:

- morte materna: 5-7 vezes superior

- internamento em cuidados intensivos: 2 vezes superior

- hemorragias importantes: 6 a 8 vezes superior

- maior tempo de internamento

- necessidade de voltar a ser internada: duas vezes superior

- infecção e tomada de antibióticos: risco alto*

- dor: risco muito alto*, para dor prolongada nos dias e semanas seguintes ao parto

- complicações pós-operatórias: 1-5 % dos casos de cesariana

- experiência negativa de nascimento: risco muito alto*.Alta probabilidade de não ter acompanhante no nascimento do filho, nem suporte emocional, nem sentir qualquer domínio sobre a situação

- menor contacto imediato com o bebé, não poder vê-lo ou pegá-lo: risco muito alto*



Riscos para o bebé:

- risco de morte: 1.77 por cada 1000 recém-nascidos, contra 0.62 por cada 1.000 recém-nascidos por via vaginal

- corte cirúrgico acidental: risco alto*

- problemas respiratórios: risco moderado a alto* (antes das 39 semanas)

- possibilidade de não ser amamentado: risco alto a muito alto*

- possibilidade de desenvolver asma em criança e / ou adulto: risco alto*


Riscos para a Mãe, em futuras gravidezes:

- aumento da infertilidade: risco alto a muito alto*

- fertilidade reduzida por opção da Mãe: risco alto*


- aumento de gravidez ectópica: risco moderado*

- aumento de problemas com a placenta (acreta, abrupta ou prévia): risco moderado*

- ruptura uterina: risco moderado*



Riscos para o bebé, em futuras gravidezes:

- morte antes do termo da gravidez: risco moderado*

*Classificação do risco (segundo estudos compilados no artigo “What every women needs to know about Cesarean Section” retirado do www.chilbirthconnection-org):

Risco muito alto: 1.000-10.000 em cada 10.000 mães ou bebés

Risco alto: 100-999 em cada 10.000 mães ou bebés

Risco moderado: 10-99 em cada 10.000 mães ou bebés

Poderá o motivo de orgulho nacional: as baixas taxas de mortalidade e/ou morbilidade materna e infantil, justificar e validar a prática desta cirurgia obstétrica?

NÃO!!! Simplesmente pela análise de riscos já descriminada, que inevitavelmente irão fazer subir as ditas taxas, pelas quais tanto lutámos ao longo destas décadas!

O valor recomendado pela O.M.S. é precisamente encontrado, fazendo um rigoroso estudo do balanço risco-benefício, do nascimento cirúrgico, sendo apoiado por diversos estudos de outras entidades (ex.Althade and Belizán,2006**)

Será possível reduzir as taxas de cesariana?
Claro que sim! Até quanto, é que é mais difícil saber, bem como quem está verdadeiramente interessado em fazer um esforço por isso…

O Plano Nacional de Saúde (lançado em 2004), estipula que até 2010, a taxa nacional seja reduzida para 20%

A Maternidade Dr.Alfredo da Costa conseguiu reduzir de 34 % em 2006, para 29.8% no 1ºsemestre de 2007¹, tendo implementado algumas estratégias para tentar reduzir mais esta taxa.
O Hospital de S.João pretende chegar aos 25 %¹ (conseguiu reduzir em 10%, esta taxa, de 2001 para 2002, e agora pretende reduzir mais 2.2%)

Lamentavelmente o Presidente do Colégio de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos e Director de Serviço de Obstetrícia do Hospital de Sta.Maria, Prof.Luis Graça, não acha “excessivamente importante a preocupação pela baixa ‘forçada’ do número de cesarianas”¹ e acredita que é possível baixar 2 a 3 %, o que situaria a nossa taxa nacional na ordem dos 30%...

O que será necessário para baixar as taxas de cesariana?

- divulgação dos riscos versus benefícios, baseados em estudos científicos publicados, a todos os profissionais de saúde

- divulgação dos referidos riscos versus benefícios a toda a população, em especial ás grávidas de uma forma esclarecedora

- existência de um consentimento informado, compreendido e assinado pela grávida, quando se efectue este procedimento cirúrgico (de forma não emergente)

- um acompanhamento da gravidez de baixo risco por parte dos profissionais de saúde, que promova com segurança e clareza, a via vaginal como primeira opção de parto

- sistemas de controlo e auditoria interna nos hospitais (públicos e privados), que possibilitem que cada cirurgia seja discutida em equipa, chegando á conclusão clara de quais os critérios que justificam a cirurgia

- uma mudança na forma como se encara o parto, ao nível do estudo da medicina, para que este volte a ser vivido como um processo fisiológico e não patológico.

E para quê?

- claro benefício para a saúde da Mãe e do bebé

- claro benefício em gravidezes posteriores

- melhoria na experiência de nascimento para a maioria das mulheres

- melhoria na taxa de sucesso de amamentação e do primeiro contacto Mãe-bébé

- diminuição dos custos associados ao procedimento cirúrgico, e pós-operatório

- diminuição de todos os custos que advêm das possíveis complicação e riscos anteriormente descritos, para o sistema de saúde, e para as Mães/Famílias (internamento mais prolongado, cuidados intensivos, intervenções adicionais, medicação a curto e/ou médio-longo prazo,leite artificial,etc).

Num país com tanta dificuldade em gerir os seus recursos de assitência médica, com baixíssimas taxas de sucesso na amamentação e com graves dificuldades financeiras, esta situação dá que pensar…

Vale a pena proporcionarmos um melhor começo de vida aos nosso filhos e à nossa sociedade, com mais saúde para as mulheres e para as crianças!

Fontes utilizadas neste documento:

www.childbirthconnecting.org

www.maternitywise.org

“A Cesariana:operação de salvamento ou industria do nascimento”, de Michel Odent, Miosótis, Setembro de 2005

¹“Pais & Filhos”, edição de Novembro de 2007, artigo: ‘Menos cesarianas, mais qualidade’,texto de MªJoão Amorim,pág-44-46

“Pais & Filhos”, edição de Janeiro de 2006, artigo: “Sai uma cesariana!”, texto de mªJoão Amorim, pág.13-16

** Althabe F.,Belizán JF,Caeserean section:The paradox.The Lancet 2006:368:1472-3

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