Episio
A episiotomia define-se como uma incisão (corte) cirúrgico no músculo perineal (o músculo que compõe o que se designa por soalho vaginal e que por isso divide a vagina do recto) e eventualmente no músculo elevatório do ânus.Este corte começou a ser usado por rotina nos partos durante o século passado e hoje é como um procedimento indispensável para quem parteja. As desculpas ou indicações para este procedimento cresceram ao ritmo da necessidade da sua justificação. As mais usadas são: facilitar a saída do bebé; diminuir o tempo de encravamento vaginal do bebé; facilitar as manobras obstétricas; evitar lacerações descontroladas.
Mas vejamos algumas coisas associadas a este simples mas mutilante corte genital feminino. Ele é feito à investida cega de uma tesoura cirúrgica que no seu caminho dilacera tudo o que se lhe atravessa na frente, sem excepção, e corresponde em geral ao tamanho das lâminas da tesoura utilizada e caso não se insista no corte.
Penso ser importante neste momento referir que a Organização Mundial de Saúde sustenta que esta prática não traz benefícios materno-fetais e que deveria ser de todo evitada na prática obstétrica. Não há até ao momento nenhuma prova cientifica ou pesquisa académica que justifique ou aprove esta técnica por rotina.
Nas nossas maternidades/hospitais a taxa de execução de episiotomias é de 99%. Acredito que este número em parte se justifica pela falsa percepção de quem a faz, pensar que dessa forma assume o poder da prática cirúrgica (corte e sutura). Acredito também que estas taxas estão associadas ao modelo académico de formação, todo ele centrado no modelo tecnocrático focalizado no medicamento, máquina e cirurgia, sendo por isso parte integrante dos objectivos académicos, o fazer a episiotomia e sua reparação cirúrgica. Não há nos nossos dias e nas escolas médicas a tradição e digo o saber da arte de partejar sem interferência técnica.
Mas verdadeiramente o que é que acontece com a episiotomia? O músculo perineal, o mais atingido com esta prática, tem uma função extraordinária para a mulher. Ele tem interferência directa na mobilidade, no coito e no parto, entre outras funções acessórias. Quando este músculo é cortado durante o parto deixa de fazer uma das principais funções que é o da orientação fisiológica da cabeça do bebé para o nascimento e permitir suavidade na respectiva libertação.
Já durante o processo de cicatrização, no pós-parto, ele limita a mobilidade da mulher, causa dores continuas e limita o posicionamento em especial no sentar e a execução de tarefas relativamente simples como seja o vestir, calçar e o lavar.
As dores deste processo de cicatrização são crescentes ao longo do tempo, acompanhado por um processo inflamatório intenso, por isso é que as mulheres manifestam um desconforto crescente à medida que os dias se vão passando.
A cicatriz resultante do corte perineal, muitas das vezes desenvolvem cicatrizes coloidais, transforma-se então numa inimiga da mulher. Não só irá interferir nos partos posteriores limitando a distensão perineal e por isso torna inevitáveis as lacerações e/ou novas episiotomias, assim como são um dos principais responsáveis pelas dispareunias (dores às relações sexuais), por limitação da distensão perineal facilitadora do coito e pela lesão/compromisso dos ramos nervosos sensitivos, tornando-se por esta via castradora da intimidade e do relacionamento do casal.
De entre as estruturas que também poderão ficar afectadas com a episiotomia é a enervação sensitiva dos grandes e pequenos lábios vaginais e até do clitóris. Isto porque a enervação destas estruturas deriva do nervo pudendo que por sua vez deriva das ramificações sensitivas lombares. Assim, a sensibilização das estruturas genitais exteriores vem da "árvore" ascendente do nervo pudendo. Ora, quando da episiotomia, e em especial se esta for mais extensa, poderá ocorrer a secção deste nervo o que pode originar desde adormecimento parcial até à falta de sensibilidade genital, do lado correspondente da episiotomia. No fundo, em termos limite, podemos dizer, que muitos de nós tem uma forte tendência para subscrever as petições mundiais contra as mutilações genitais femininas que acontecem em algumas regiões ou tribos africanas, pois o que acontece aqui com a episiotomia é que se poderá estar a proceder também a um tipo de mutilação genital, contudo com a desculpa de que foi para "ajudar o parto" (quantos de nós já não ouviu relatos de mulheres que ficaram com parestesias genitais permanentes (formigueiros) após o parto? talvez agora se compreenda melhor).
Outra das estruturas que poderão ser afectadas pela episiotomia, são as estruturas vasculares, veias e artérias, que poderão assim originar hematomas internos e consequentemente aumentar a compressão do perineo e assim aumentar as dores e desconforto da mulher. Para além de que o sangue acumulado é um excelente alimento para as bactérias e por isso promover o surgimento de infecções perineais.
Por falar em infecção, esta também pode ser mais uma das consequências da episiotomia. Através do corte, abre-se por assim dizer um caminho às estruturas internas. Ora, os micróbios que estão na pele, e que ali vivem bem porque é o seu habitat natural, quando se podem deslocar para terrenos internos, aí podem-se desenvolver, tornarem-se patogénicos (capazes de desenvolverem doença) e assim criarem abcessos ou infecção generalizada daquela zona.
De entre as estruturas acessórias dos genitais femininos externos, encontram-se, igualmente, as glândulas de Bartholin, que são responsáveis pela lubrificação da vulva e vagina externa, para assim facilitar a relação sexual. Quando da realização da episiotomia pode haver também a secção e corte desta glândula, o que pode comprometer a sua funcionalidade posterior para além de a tornar susceptível para o desenvolvimento de infecções e assim aumentar-se a probabilidade de se repetirem as bartholinites.
Referi anteriormente que uma das desculpas utilizadas para a execução da episiotomia é de evitar as lacerações vaginais. Ora, se durante o nascimento ocorrer a referida rasgadura, e por vezes ela acontece, estas são normalmente mais pequenas, evitam e contornam as estruturas internas de maior resistência como seja o caso de músculos, tendões, glândulas e vasos sanguíneos e assim, por serem mais pequenas, também são de fácil reparação. Convém igualmente referir que a posição ginecológica adoptada nas maternidades/hospitais para parir não é nada facilitadora para o nascimento de uma criança, e neste capítulo, a probabilidade de ocorrerem lacerações com esta posição é maior e são também normalmente mais extensas.
Para finalizar, e em sequência da publicação anterior, uma mulher com epidural que por sua vez está castrada nas suas competências para parir e como se viu tem maior probabilidade de ter um parto distócico, ventosa e forcéps, também aqui se verificam as consequências. Para além da necessidade de utilização de instrumentos por notória falta de colaboração materna, ela também permite episiotomias mais extensas e profundas, exactamente porque estando sem dor, numa posição menos fisiológica e com a necessidade de se colocarem instrumentos de ajuda ao parto, o técnico irá proceder a uma extensa episiotomia exactamente porque precisa de abrir o canal de parto para a passagem da cabeça do bebé e ainda dos instrumentos acessórios (e mesmo assim verificam-se ainda o surgimento de lacerações atípicas, resultantes da tracção e rotação mecânica que é feita para a libertação da criança. Lacerações estas distribuídas por diversas partes da mucosa vaginal, uretra e recto).
Neste sentido falar de episiotomia não é só falar de um corte. É haver a necessidade de reflectir sobre a influência que esse corte pode ter para a saúde da mãe. Dá que pensar, não dá?
retirado do blog "Nascer em Casa"