Em 1988, Michael Woolridge e Chloe Fisher publicaram na prestigiada revista médica Lancet cinco casos de bebês que apresentavam de forma continuada choro frequente, cólicas, diarreia e outros incômodos. Bastou dizer às mães que não tirassem o bebê do primeiro peito, mas que esperassem que ele soltasse sozinho quando acabasse, para que os problemas desaparecessem. Pouco depois, Woolridge e outros pesquisadores tentaram reproduzir experimentalmente a situação em um grupo de bebês saudáveis que não tinham problemas com a amamentação. Disseram à metade das mães que tirassem o bebê do primeiro peito após dez minutos, e à outra metade que esperassem que o bebê soltasse o peito espontaneamente. Pensavam que os bebês do primeiro grupo tomariam líquido demais, lactose demais e pouca gordura e, portanto, teriam cólicas, vômitos e gases. Mas os próprios bebês modificavam os outros dois fatores, o intervalo entre as mamadas e a decisão de mamar um peito ou os dois, de forma que ao longo do dia conseguiam mamar a mesma quantidade de gordura que o outro grupo e não tinham nenhum problema.
Como o bebê tem três ferramentas (lembre: frequência das mamadas, duração das mamadas, mamar um peito ou dois) para controlar a composição do leite, é possível que a maioria deles dê um jeito para controlar com duas delas, mesmo que tenhamos fixado a terceira arbitrariamente. Talvez aqueles cinco bebês que tiveram problemas para limitar o tempo de sucção sejam exceções, sejam bebês (ou mães) com menor capacidade fisiológica de adaptação. Do mesmo modo, todos nós caminhamos, mas na hora de correr uns irão mais depressa e se cansarão antes que os outros.
A capacidade de adaptação dos seres vivos pode ser muito grande, mas não podemos esperar milagres. Ao longo do século passado, muitos médicos se empenharam em controlar simultaneamente os três fatores: o bebê tem que mamar exatamente dez minutos de cada lado a cada quatro horas. A exatidão chegava a ser obsessiva; ainda hoje algumas mães perguntam se as quatro horas começam a contar desde quando o bebê começa a mamar ou desde que acaba (porque, claro, com dez minutos por peito e um entre eles para arrotar, seriam quatro horas e vinte e um minutos). Muitos livros e muitos especialistas nem sequer diziam “a cada quatro horas”, mas estipulavam as horas concretas: às oito, ao meio dia, às quatro, às oito e à meia noite. Nem pense em dar às nove, à uma e às cinco! Entre meia-noite e oito da manhã havia um descanso noturno de oito horas (passar metade da noite acordada vendo seu filho chorar e não podendo dar de mamar era chamado de descanso noturno). O intervalo de quatro horas era a recomendação da escola alemã. Também havia uma recomendação da escola francesa de dar de mamar a cada três horas, com descanso noturno de seis horas. Cabe perguntar se dar de mamar cinco ou sete vezes durante o dia influía no caráter nacional desses países. Também havia partidários de dar em cada mamada um peito ou ambos (esses últimos mais numerosos), o que no total perfaziam quatro teorias: um peito a cada três horas, dois a cada três, um a cada quatro horas e dois a cada quatro horas. Mas, habitualmente, cada médico seguia uma teoria somente e a defendia com entusiasmo.
Assim, os bebês se encontravam totalmente desarmados: não poderiam decidir sobre a frequência, nem sobre a duração, nem o número de peitos que deveriam mamar. E não podiam controlar nem a quantidade nem a composição do leite, tinham que se conformar com o que o acaso lhe determinava. Na maioria dos casos, a quantidade era insuficiente e a composição, inadequada; os bebês choravam, queixavam-se, vomitavam, não aumentavam de peso... Há uns anos, na Espanha, ainda amamentar aos três meses era raro, e fazê-lo sem ajuda de complemento era quase heroico.
Claro, também há casos em que, pela mais rocambolesca das coincidências, o bebê obtém a quantidade de leite de que necessita e com uma composição adequada mamando dez minutos a cada quatro horas. Essas raras exceções só vêm confirmar a fé dos médicos nos horários rígidos: “Isso de amamentar em livre demanda é uma bobagem. Eu conheci uma mãe que seguia ao pé da letra a regra de dez minutos a cada quatro horas, e tudo ia maravilhosamente bem; amamentou até os nove meses e o bebê dormia como um anjo e engordava perfeitamente. O que acontece é que as mães de hoje não querem trabalho, preferem a comodidade da mamadeira.”
Woolridge MW, Fisher C. Colic, “overfeeding” and symptoms of lactose malabsorptiom in the breast-fed baby: a possible artifact of feed management? Lancet. 1988; 2:382-4.
Woolridge MW. Baby-controlled breastfeeding: biocultural implications. En Stuart-Macadam P, Dettwyler KA, eds.: Breastfeeding. Biocultural perspectives. New York: Aldine de Gruyter, 1995.
Woolridge MW, Ingram LC, Baum LD. Do changes in pattern of breast usage alter the baby’s nutrient intake? Lancet 1990;336:395-397.
Tradução: Fernanda Mainier
Revisão: Luciana Freitas
Nota das tradutoras:
Resumindo, os bebês têm 3 mecanismos para controle das mamadas e da ingestão de leite:
1- a duração da mamada - portanto é um erro determinar que o tempo que o bebê deve mamar, nem 5 nem 10, nem 15, nem 50 minutos. Cada bebê controlará em cada mamada quanto tempo deve mamar. Se tiramos o bebê antes do tempo que ele vai determinar naquela mamada, é óbvio que terá mamado menos do que necessita.
2- a frequência das mamadas - portanto, é igualmente errado colocar intervalos fixos para mamadas: nem de 3 em 3 horas, nem de 4 em 4 horas, nem de 1 em 1 hora. O bebê é que determina se quer mamar 1 hora depois ou 3 horas depois. É o que chamamos livre demanda.
3- se quer mamar um peito ou dois - só devemos trocar o bebê de peito numa mesma mamada, se ele largar espontaneamente o primeiro e demonstrar que ainda quer mamar, e que o primeiro se esvaziou (se no primeiro ainda há leite, deve-se oferecer o primeiro novamente - se for na mesma mamada). Assim, a regra é um peito por mamada, a não ser que ele ainda queira mais. E sempre alternando os peitos a cada mamada.
Se colocarmos limites nesses três fatores, ou seja, determinar quantos minutos devem durar as mamadas, determinar o intervalo entre elas e oferecer sistematicamente sempre os dois peitos numa mesma mamada estaremos contribuindo e muito para que o bebê não ingira a quantidade de leite adequada ao seu desenvolvimento.
Esqueçam o relógio!
Obrigado Doula Rosa pela partilha da informação!