O pensamento sobre a condição humana normalmente é tingido pela nossa cultura, ou seja, é subjetivo, pois ninguém pode olhar de fora do caminho em que estamos. Isso gera um problema importante: há uma cultura pequena inserida em outra que a contém, que está dentro de outra que acontém, e assim por diante. No fim, Oriente e Ocidente compartilham algo em comum há cerca de 5 mil anos ou mais: o patriarcado como sistema de organização social. O patriarcado se baseia na submissão. Em princípio, da mulher em relação ao homem e da criança em relação ao adulto. Também tem um objetivo prioritário, que é a acumulação de patrimônio. Portanto, a ideia é que alguns acumulem tudo o que seja possível, e para isso será necessáriosubmeter outros para que ofereçam sua força de trabalho. Alguns acumulam, outros servem. Os homens exercem o poder enquanto as mulheres servem. Os adultos decidem enquanto as crianças se submetem ao desejo dos mais velhos.
- Cena mais do que comum da hierarquia que nosso sistema obedece, retirada do Google -
A ferramenta mais importante do patriarcado para obter a submissão das mulheres tem sido a repressão sexual. Que não tem absolutamente nada que ver com a religião (judaico-cristã no caso). A palavra "religio" deriva de "religare", que significa relacionar, vincular, associar. A "religio" na Roma clássica se referia às obrigações de cada indivíduo em relação própria comunidade. Era necessário honrar concretamente os valores que constituíam a base da convivência. Então, não foi a religião que obrigou as mulheres a reprimir sua sexualidade, mas a lógica do patriarcado.
Vamos considerar que o propósito principal era a acumulação de terras. As mulheres se constituíram também em propriedade. Se pertenciam ao varão, garantiam o pertencimento dos filhos, futuros proprietários dos bens dele. Para conseguir que as mulheres deixassem de ser sujeitos e se tornassem objetos de uso, era imprescindível que deixassem de "sentir". As mulheres - por meio dos ciclos vitais - estiveram sempre intimamente ligadas ao próprio corpo. Para deixar de estar tão envolvidas com o próprio corpo, este teve de se tornar perigoso ou pecaminoso. Intocável. Se uma mulher não pode tocar nem ser tocada, o corpo se paralisa, as sensações corporais prazerosas se congelam, e a mulher deixa de ser ela mesma. Torna-se um corpo sem vida em termos femininos, um corpo distante, indomável, incompreendido. A mulher que sangra é considerada suja e impura. Todos entendemos esses conceitos, porque "mamamos" essas crenças, que estão mais arraigadas do que parece.
- Do blog The Upsidedownwold, com uma crítica contundente aos versos bíblicos que corroboram essa ordem -
A humanidade organizada sobre a base da conquista de terras, as guerras - necessárias para aumentar o patrimônio - e a submissão das mulheres são a mesma coisa. Hoje não se conhece cultura que não esteja alinhada a essa forma de vida, a ponto de acreditarmos que o ser humano "é" assim: manipulador, guerreiro, conquistador, injusto. Entretanto, não deixa de ser uma apreciação feita apenas do ponto de vista do patriarcado. É verdade que quase não restam sinais de outros sistemas, que comunidades matrifocais, centradas no respeito pela Mãe Terra, na ecologia, na sexualidade livre, na igualdade entre seres vivos e no amor como valor supremo não sobreviveram. Mesmo que pareça um paradoxo, essa foi a mensagem de Jesus. Mas rapidamente o patriarcado dominante na época se encarregou de transformá-lo nas crenças cristãs que, na prática, não tem nada que ver com as palavras de amor, solidariedade, confiança e igualdade entre os seres vivos que Jesus proclamou.
- A Vênus de Willendorf é o artefato de representação humana mais antigo que se tem notícia, e data de 24mil anos. Nitidamente uma idealização da figura feminina, é acreditada por parte da comunidade científica ser registro desse tempo em que as organizações sociais eram focadas na mulher e suas características sagradas. -
A questão é que passamos vários séculos da história mergulhados em repressão sexual. Isso significa que o corpo é considerado baixo e impudico, e o espírito, alto e puro. As pulsões sexuais são malignas. E a totalidade das sensações corporais é indesejada. Em que lugar aprendemos que não há lugar para o corpo e para o prazer? No exato momento do nascimento. Segundos depois de nascer, já deixamos de ser tocados. Perdemos o contato corporal que era contínuo no paraíso uterino. Nascemos de mães reprimidas ao longo de gerações e gerações de mulheres ainda mais reprimidas, rígidas, congeladas, duras, paralisadas, incapazes de tocar e muito menos de acariciar. O sangue congela, o pensamento congela, as intenções congelam e o instinto materno se deteriora, se perde, se descontrói e se transforma.
Nós, mulheres, com séculos de patriarcado nas costas, afastadas de nossa sintonia interiro, não queremos parir, nem sentir, nem entrar em contato com a dor. Não sabemos o que é o prazer orgásmico. Carregamos séculos de dureza interior, vivemos com o útero rígido, a pele seca, os braços incapacitados. Não fomos abraçadas por nossas mães, porque elas não foram abraçadas nem embaladas por nossas avós e assim por gerações e gerações de mulheres que perderam o vestígio de brandura feminina. Quando chega o momento de parir, nosso corpo inteiro dói devido à inflexibilidade, à submissão, à falta de ritmo e de carícias. Odiamos nosso corpo que sangra, que muda, que ovula, que mancha, que é ingovernável. E ainda por cima nasce outro corpo que não podemos tocar nem nos aproximar. E não sabemos o que fazer.
- A artista americana sob o pseudônimo deFecundcunt faz registros críticos e impressionantes das condições femininas e suaS relações com o corpo, com sangue menstrual, fotografias, pintura e crochê -
É importante levar em conta que, além da submissão e da repressão sexual histórica, as mulheres parem em cativeiro. Há um século - à medida que as mulheres ingressaram no mercado de trabalho, nas universidades e em todos os circuitos de intercâmbio público - cedemos o último bastião do poder feminino: a cena do parto. Já não nos resta nem esse pequeno cantinho de sabedoria ancestral feminina. Acabou-se. Não há mais cena de parto. Agora há tecnologia. Máquinas. Homens. Horários programados. Drogas. Picadas. Ataduras. Lâminas que raspam. Torturas. Silêncio. Ameaças. Resultados. Olhares Invasivos. E medo, claro. Volta a aparecer o medo no único refúgio que durante séculos excluiu os homens. Acontece que entregamos até esse último resguardo. Foi a moeda de troca para que nos permitissem circular por onde há dinheiro e poder político. Entregamos o parto. Foi como vender a alma feminina ao diabo.
Entregar o parto supõe abandonar nas mãos de outros a vinda do indivíduo que nasce nesse instante. Se estamos confirmando a importância da biografia humana de cada indivíduo e a qualidade da maternagem recebida, não há dúvida de que a maneira como a cria humana é recebida será fundamental na constituição do personagem e na posterior armação da trama familiar.
Muito bem, mas é possível "entregar"o parto? Pode-se perder algo tão intrínseco ao ser feminino, algo tão próprio como o corpo gestante que dá a luz? Sim, é possível extraviá-lo de todo o seu sentido profundo. Se a mulher está fora de si mesma. Mas por acaso o instinto materno não é mais forte? Depende. Se a situação é de despojo, o instinto terá que se esconder para sobreviver em melhores condições.
- Isso hoje, em muitos casos, é a imagem de um parto -
Em todos os zoológicos do mundo se sabe que qualquer fêmea mamífera criada em cativeiro terá poucas chances de conceber e dar à luz. Os partos costumam ser difíceis. Então, se não consegue, difícilmente "reconhece"a cria como própria e possivelmente terá dificuldades para amamentá-la e protegê-la. Os cuidadores encarregados do zoológico se verão obrigados a dar assistência tanto à mãe mamífera como à cria, alimetando e higienizando o recém nascido e intervido para que a mãe se relacione com o filho. Acontece algo muito parecido conosco: atravessamos a gravidez totalmente despojadas de nosso saber interior e então parimos em cativeiro: amarradas, picadas, ameaçadas e apressadas. O parto não é nosso. É das máquinas, do pessoal médico, das intervenções e das rotinas hospitalares. Estamos em uma prisão, amarradas de pés e mãos, submetidas a torturas. Nessas condições, por lógica, imediatamente depois de realizado o nascimento, desconhecemos nossa cria. Nas instituições médicas, geralmente o bebê é levado e trazido mais tarde banhado, penteado, vestido e adormecido, depois de receber glicose para que não chore mais do que deveria. A partir desse momento, temos que fazer um esforço intelectual para conhecer esse filho como próprio, com a culpa e a vergonha de pensar internamente que talvez não tenhamos esse desejado "instinto materno". Somos estranhas assim, temos muito medo de não saber então como ser uma boa mãe, como fazer o certo e como criar esse filho. Na verdade, despossuídas de nosso saber interior, não sabemos de nada. Perguntamos, como meninas, as trivialidades mais rudimentares. Pedimos permissão para segurá-los - e veja o paradoxo: a resposta é negativa.
O jogo já começou. proíbem-nos de tocar a criança e levamos em consideração orientações antinaturais estúpidas como essa. Porque somos submissas há séculos, o que nos conduz à mais terrível ignorância. Isso significa que estamos despossuídas, além de termos ficado feridas. Depois do parto medicado, sistematizado e moderno, costumamos estar cortadas, costuradas, enfaixadas e imobilizadas, e a criança costuma estar distante de nosso corpo. Não podemos segurá-la por nossos próprios meios devido às feridas e cortes. Além disso estamos cortadas de nosso ser essencial, com o qual sequer sentimos a necessidade visceral de ter a crianças nos braços. É assim que a maquinaria ancestral do patriarcado continua funcionando à perfeição. Cada criança não tocada por sua mãe é uma criança que servirá à roda da indiferença, à guerra e à submissão de uns pelos outros.
Do ponto de vista da criança, a decepção é enorme. Porque a necessidade básica primordial de toda criança humana é o contato corporal e emocional permanente com outro ser humano. No entanto, se sustentarmos a repressão de nossos impulsos básicos como bastião principal, essa demanda de contato da criança vai se transformar em um problema. Preferimos nos afastar de nosso corpo. Nenhuma outra espécie de mamíferos faria algo tão insólito com a própria cria. Mas para os humanos é comum determinar que o melhor é "deixá-lo chorar", "que não fique mal acostumado" ou "que não fique manhoso". Para nós é totalmente habitual que o corpo da criança esteja separado: apenas no berço. Apenas em seu carrinho. Apenas em sua cadeirinha. Supomos que deva dormir sozinho. Cresce um pouco e já opinamos que é grande para pedir abraços ou mimos. Logo depois é grande para chorar. E sem dúvida, sempre é grande para fazer xixi, para ter medo de insetos ou para não querer ir à escola. Se tudo que necessitava desde seu nascimento foi de contato e não obteve, sabe que seu destino é ficar sozinho. Finalmente a criança adoece. Quase todas estão doentes de solidão. Mas nós, adultos, não reconhecemos na doença da criança a necessidade deslocada de contato corporal e presença. A repressão sexual é isso: é medo de tocar a criança porque tocar nos dói. Dói nosso corpo rígido de falta de amor, dói na moral, dói na alma.
A repressão sexual encontrou na moral cristã sua melhor aliada. Porque utiliza ideias espiritualmente elevadas como o amor a Deus para esconder uma realidade muito mais terrena e desprovida de atributos celestiais: a necessidade de possuir o outro como um bem próprio. E a compreensão de todos os medos primários por falta de maternagem é substituída pela acumulação de dinheiro. Inclusive se nós mulheres já nos percebemos como praticantes ou devotas, a repressão sexual continua agindo ao longo de várias gerações, porque nos privamos de tocar nosso corpo e, consequentemente, de tocar o corpo da criança com amor e dedicação.
- "Nenhuma outra espécie de mamíferos faria algo tão insólito com a própria cria" / foto da Amazon, onde esse aparato para distanciar o que já é distante é vendido. -
Quase todas biografias humanas às quais temos acesso são marcadas por níveis de repressão sexual que não imaginávamos pudessem ser tão importantes. Quando precisamos determinar as dinâmicas familiares ou o grau de desamparo emocional sofrido durante a primeira infância, a investigação sobre a moral religiosa da mãe será um dado fundamental. Nessa busca simples, encontraremos a marca principal do sofrimento de cada indivíduo, e nos veremos obrigados a revisar todo o material sombrio que ele tem escondido. Pensemos que a moral e a repressão sexual nos obrigam a mentir. Sim, nos obrigam a agir de forma diversa que nossas pulsões básicas ditam. Daremos nomes altivos a isso ou não, pouco importa. mas à medida que mascaramos nossas verdadeiras e genuínas pulsões com mais empenho, mais nos afastaremos de nossa essência pessoal e mais grosseiramente confeccionaremos a roupa do personagem que vai nos cobrir e disfarçar o que somos.
A vida reprimida normalmente é tão comum e corrente que não paramos para registrar a influência nefasta que a repressão sexual exerce sobre cada um. Esse desastre ecológico, que tem vários séculos de sucesso aberrante, prejudica a vida de homens e mulheres. Nosso trabalho é descobrir, por meio da construção da biografia humana, a porção de repressão, moral, refúgio e medo que cada indivíduo carrega em si, encobrindo o que de mais belo, instintivo e lindamente animal nos faz humanos.
Insisto que abordar o nível de repressão sexual em cada biografia humana é fundamental, tanto em homens como em mulheres. As consequências para as mulheres são facilmente detectáveis. Com um pouco de experiência profissional, registrar o tônus muscular e a dureza do olhar daquelas que nos consultam é suficiente para antever o nível de autoexigência e de rigidez que as mantêm presas. Nos homens pode ser mais complicado detectar, pois conseguem dissociar um pouco mais as pulsões sexuais do contato corporal. Ou seja, pode ter a sensação de que leva uma vida sexual muito ativa, mas com menos registro do vazio emocional. Por isso é possível que não detectem ali um "problema". Em todos os casos, é necessário investigar e ver o que encontramos.
- Texto retirado na íntegra do livro O Poder do Discurso Materno, Capítulo 5, Os Estragos da Repressão Sexual, Patriarcado e Repressão sexual, pág 102 a 109. Imagens, links ilustrativos e comentários por conta do Mamatraca. -
Laura Gutman é argentina. Terapeuta familiar e criadora da metodologia de construção da biografia humana, escreveu livros sobre maternidade, paternidade, vínculos afetivos, desamparo emocional e violência. Dirige em Buenos Aires um centro de formação de profissionais para o atendimento de famílias, dá palestras e conferências em diversos países.
Somos mamíferos- ainda que esquecemos- porque temos mamas. E todas as mamíferas foram designadas para amamentar suas cria. Portanto, todas somos capazes de nutrir ao bebê recém nascido com o leite que vem naturalmente do interior de nosso corpo. É verdade que o conceito “natural” está completamente manipulado pela cultura, por isso nos ater ao que é ou não “natural” costuma parecer-nos bastante complexo.
Imagem do Google
Então depositamos tantas fantasias no alimento, no que é bom ou não oferecer ao bebê, que o “dar de comer” se converteu em todo um problema para as mães modernas. Inclusive dar de mamar passou a ser algo difícil de conseguir, algo que há que superar, controlar e estudar ao pé da letra para ter sucesso. É estranhho que em somente 50 anos da recente história é esquecemos a natureza, a simplicidade e o silêncio com que as mulheres sempre amamentaram aos nossos filhos desde que existe a humanidade.
A realidade é que a amamentação é fundamentalmente contato, conexão, braços, silêncio, intimidade, amor, doçura, repouso, permanência, sono, noite, solidão, fantasia, sensibilidade, olfato, corpo e intuição, ou seja, tudo é muito distante das receitas pediátricas e de todos os “deve ser” que pretendemos cumprir no papel de mães.
A amamentação falha quando a colocamos dentro dos parâmetros de “melhor alimento”. Quando calculamos, medimos, pesamos ou estamos atentas às quantidades e tempos em que o bebê tomou ou deixou de tomar. Não se trata de pensar no que come. Se trata de estar junto. É algo tão “natural” que esquecemos-o. Porque quase não mantemos relações afetivas de modo simples, sem projetos nem objetivos.
Para ser uma boa mãe, acreditamos que devemos dar ao bebê o melhor. E se o melhor não é quantificável, a amamentação falha.
A questão vai além dos desejos ou ilusões sobre um bom alimento, somos um exército de mães que não podemos dar de mamar aos nossos filhos, somos mães a quem nos sangram os mamilos, nos ferem e o pior de tudo: o bebê volta a pedir como se não houvesse sido suficiente o que mamou uma hora antes. Temos a sensação de que as contas nunca dão bons resultados em matéria de amamentação. Não se pode viver assim!
Ambas as situações, amamentação e liberdade, não são compatíveis. Ninguém pode determinar o que é que cada qual deve fazer. Mas sim é importante que saibamos o que ganhamos e o que perdemos frente a cada decisão.
Gutman, Laura. Livro: A revolucao das maes: o desafío de nutrir aos nossos filho, pg 99-101
* Entrevista a Laura Gutman, extraída do site Espaço Saúde
Durante os primeiros dois anos de vida, os bebês refletem as emoções e os sentimentos inconscientes de suas mães.
Um tempo de revelações, de experiências místicas, uma oportunidade para o auto conhecimento, para mergulhar nos aspectos ocultos da psique feminina. Um tempo em que as luzes e sombras emergem e explodem como um vulcão em erupção. É a loucura indefectível e um “não reconhecer-se” a si mesma, porque, desde o momento do parto, a alma da mulher se desdobra e se torna mamãe-bebê, bebê-mamãe ao mesmo tempo.
Isso é também a maternidade, segundo a inovadora e certamente polêmica visão da psicoterapeuta familiar argentina, especializada em crianças, Laura Gutman, autora do livro “A maternidade e o encontro com a própria sombra”.
Seu livro, longe de pretender ser um guia para mães desesperadas, é um convite para que as mulheres repensem as idéias preconcebidas, os preconceitos e os autoritarismos, encarnados em opiniões discutíveis sobre o parto, os cuidados com os bebês, a educação, as formas de vincular-se e a comunicação entre adultos e crianças.
Entrevista VERÓNICA PODESTÁ
Social e culturalmente, a idéia que se apresenta às mães sobre a chegada de um novo ser é de um fato ideal, feliz e luminoso. È necessária certa audácia para encarar o tema a partir de um “encontro com a própria sombra”. A que você se refere exatamente?
É claro que a sociedade ou o inconsciente coletivo tentem colocar a maternidade num leito de rosas. Quanto mais uma mamãe “compre” esta visão unilateral, mais impactante e mais brutal resultará para ela o encontro com os lugares obscuros que aparecem depois do parto e no puerpério. Eu encaro a maternidade como uma crise, como um rompimento que se produz no parto e nessa quebra se colampartes da sombra, ou seja, pedacinhos de alma ocultos ou desconhecidos até então, que se manifestam através do bebê. Ele se converte em espelho cristalino dos aspectos mais ocultos da mãe, de sua sombra. Por isso, o contato profundo com um bebê é uma grande oportunidade que se deve aproveitar ao máximo.
De que maneira a sombra da mãe se manifesta através do bebê?
Quando um bebê nasce se produz a separação física, mas este corpo recém nascido não é só matéria, mas também um corpo sutil, emocional, espiritual. Ainda que a separação física efetivamente se produza, bebê e mãe seguem fusionados no mundo emocional. O bebê se constitui no sistema de representação da alma da mãe. Tiudo o que a mãe sente, recorda, o que a preocupa, o que rechaça, o bebê o vive como sendo próprio. Porque nestes sentido e momento são dois seres em um. Então a mãe atravessa esse período desdobrada no campo emocional, já que sua alma se manifesta tanto em seu próprio corpo como no corpo do bebê. E o mais incrível é que o bebê sente como próprio tudo o que sente a sua mãe, sobretudo o que ela não pode reconhecer, o que não reside em sua consciência, o que foi relegado à sombra. Então, se um bebê adoece ou chora desmedidamente, ou se está alterado, além de fazermos perguntas no plano físico será necessário atender o corpo espiritual da mãe, reconhecendo que a enfermidade da criança manifesta uma parte da sombra da mãe.
E como a mãe pode canalizar esta manifestação do bebê para seu próprio crescimento?
Se um bebê chora demasiadamente, se não é possível acalmá-lo nem amamentando-o nem aninhando-o, enfim, depois de cobrir as necessidades básicas, a pergunta seria: Porque chora tanto a sua mamãe? Se o bebê não se conecta, parece deprimido, quais são os pensamentos que inundam a mente de sua mãe? Se um bebê rechaça o seio, quais são os motivos que pelos quais a mãe rechaça o bebê? As respostas residem no interior de cada mãe, ainda que não sejam evidentes. Para ali devemos dirigir nossa busca, na medida que a mulher tenha uma genuína intenção de encontrar-se consigo mesma.
Este estado de fusão emocional dura dois anos, tempo em que a mãe experimenta estados alterados de consciência por viver desdobrada em vários campos emocionais. Esta é a loucura do puerpério.
Por que dois anos? Comumente se fala do puerpério como um período que dura cerca de 40 dias.
Se considera puerpério aos primeiros quarenta dias depois do parto, porque se toma como parâmetro a cicatrização da episiotomia, a interdição sexual ou moral, para que o homem não queira exigir genitalidade à mulher. Eu creio que é um fenômeno emocional. Enquanto dura a fusão emocional, dura o puerpério. Por volta dos dois anos a criança começa a separar-se emocionalmente de sua mãe. Até então era bebê-mamãe, um ser totalmente fusionado, que fala de si na terceira pessoa: “Matias quer água”. Aos dois anos começa a dizer “Eu quero água”. Quando se constrói como um ser separado, começa lentamente a separar-se emocionalmente.
Como nasce sua teoria?
Sinceramente, não sei quando nem como nasceu minha “teoria”, já que não a vivo como “teoria”, mas sim como uma prática constante. Basicamente através da observação de centenas de mães se relacionando com seus bebês. Foi muito revelador para mim, quando há cerca de 20 anos li o livro “A Enfermidade como Caminho”, de Dethlefssen e Dahlke, um médico e um astrólogo alemães, ambos junguianos. Comecei a investigar as teoria de Jung em relação à manifestação da sombra, e ao sentir que as crianças pequenas estavam tão involucradas dentro do campo emocional das mães, e vive versa, me ocorreu observar se o que manifestavam – e que eram muitas vezes incompreensíveis para as mães – poderia ser a expressão de situações emocionais que elas não poderiam reconhecer como próprias. É muito frequente que as mães não falem de si mesmas nas consultas, mas sim do que está acontecendo com seus filhos. E foi cada vez mais evidente para mim, que este “jogo” era permanente. Por exemplo, quando eu coordenava grupos de crianças e algum bebê estava muito inquieto, eu tentava induzir à mãe a um olhar interno, íntimo, até que “tocava” num ponto doloroso pessoal, de sua história primária. Mesmo que considerasse que o assunto estava “superado”, quando conseguia falar sobre o tema, o bebê automaticamente parava de chorar. E o grupo era testemunho desta “magia”. Mas não era nada mágico, era a mãe que se apropriava de uma parte de sua sombra, que o bebê estava, de outro modo, obrigado a manifestá-la. Aos poucos fui aprendendo a reconhecer mais rapidamente a linguagem dos bebês e crianças pequenas “fusionadas” ao campo emocional da mãe. Na realidade, o verdadeiro trabalho de busca quem o realiza é a mãe, o meu papel é só o de apoiar a busca genuína, porque cada indivíduo sabe profundamente o que lhe passa. Os bebês são seres sutis, por isso manifestam com total espontaneidade. Neste sentido são verdadeiros espelhos da alma.
Em seu livro você faz uma distinção entre a dor como algo necessário e positivo para o crescimento, e o sofrimento, desnecessário de destrutivo. Que diferença há entre um e outro?
Quando falo da diferença entre dor e sofrimento, me refiro ao parto em si mesmo. Hoje em dia quase todas as mulheres parem anestesiadas, em partos “induzidos” pela introdução de ocitonina sintética, para regular a duração e a intensidade das contrações. Em geral a mulher não é respeitada, não lhes permitem mover-se, caminhar, comer, ir ao banheiro; ela está atada à cadeira de parto que é terrivelmente incomoda, lhe acomete câimbras nas pernas, lhes rasgam, entram muitas pessoas, médicos e paramédicos, enquanto a mulher está com os genitais expostos, há pouca afetividade e nenhuma intimidade. O marido está atuando, fazendo de conta que é um bom pai moderno. É tanto sofrimento, que as mulheres, ao invés de pedirem contenção, abraços, calor, amor, silêncio, música, água, algo doce para a boca, suavidade… pedem aos gritos por anestesia. E recebem
Se pudéssemos imaginar um parto acompanhado verdadeiramente, com liberdade de movimento, na data verdadeira (ainda que “se atrase”), em intimidade, com uma ou duas pessoas do círculo mais íntimo, a dor seria então o veículo para o recolhimento, para a introspecção, para sair do mundo das formas e entrar no mundo sem limites, sem palavras, sem luzes… é um momento de abertura de consciência. Assim a dor é suportável, é necessária, porque nos permite “sair” do mundo racional, e só fora do mundo racional se pode parir em liberdade. As mulheres que parimos verdadeiramente em liberdade, é que podemos contar o que é o paraíso.
Não há modelos nem receitas sobre como ser mãe no Século XXI. Qual você crê que seja o maior desafio para as mulheres de hoje?
É certo que na há modelos. O que podemos chamar tradicional, ou seja o que viveram nossas avós, se refere à dona de casa que criou filhos e criou o marido. Muitas delas foram escravas dos desejos dos demais. Hoje em dia, alguma mulheres estamos num pólo aparentemente longínquo, trabalhamos todo o dia, ganhamos dinheiro, as vezes somos bem sucedidas, criativas, independentes. Quando aparece o primeiro filho, na minha opinião, se temos construída toda a nossa identidade no que chamo energia Yang – aspectos concretos do trabalho, dinheiro, relações sociais, etc – isto que nos traz o bebê não tem nada a ver com o “normal”… e tendemos a fugir para os espaços conhecidos: desesperadas para voltar a trabalhar, a ser que éramos antes. Para mim isto também é falta de liberdade interior.
É necessário revisar os acordos do casal anteriores ao nascimento do filho, quando somos capazes de apoiarmos-nos um ao outro e vive versa. Maternar é fundamentalmente conectar-se profundamente com a energia Yin, que é lenta, silenciosa, de tempos prolongados, redonda, quentinha, suave, interna, obscura, pegajosa… Navegar entre as duas energias é para mim um dos principais desafios para as mulheres modernas. Nem fugir do desconhecido, nem alheiarmo-nos do mundo, infantilmente como nossas avós. E saber que há outras pessoas ao redor para ocupar certos espaços por um tempo: o homem será a sustentação para que a mulher possas maternar. E se não há um homem maduro, haverá outras redes, família, amigos, grupos de apoio. Não se pode maternar sem sustentação. Não se pode maternar sem fusão emocional. Não se pode maternar sem buscar o próprio destino.
Publicado em UNO MISMO.
DESTAQUES
“Ainda que a separação física efetivamente se produza no parto, bebê e mãe seguem fusionados no mundo emocional. O bebê se constitui no sistema de representação da alma da mãe”.
“Se um bebê chora demasiadamente, se não é possível acalmá-lo nem amamentando-o nem aninhando-o, a pergunta seria: Porque chora tanto a sua mamãe? Se o bebê não se conecta, parece deprimido, quais são os pensamentos que inundam a mente de sua mãe? Se um bebê rechaça o seio, quais são os motivos que pelos quais a mãe rechaça o bebê?”
“Mesmo que considerasse que o assunto traumático estava “superado”, quando a mãe conseguia falar sobre o tema, o bebê automaticamente parava de chorar. Não era nada mágico, era a mãe que se apropriava de uma parte de sua sombra, que o bebê estava, de outro modo, obrigado a manifestá-la”.
“As mulheres que parimos verdadeiramente em liberdade, é que podemos contar o que é o paraíso”.
“Maternar é fundamentalmente conectar-se profundamente com a energia Yin, que é lenta, silenciosa, de tempos prolongados, redonda, quentinha, suave, interna, obscura, pegajosa… Navegar entre as duas energias, Yin e Yang, é para mim um dos principais desafios para as mulheres modernas”.
“Não se pode maternar sem sustentação. Não se pode maternar sem fusão emocional. Não se pode maternar sem buscar o próprio destino”.
BOX 1
PARIR EM LIBERDADE
“Meu segundo parto foi em Paris, com o doutor Michel Odent. Tinha data para o dia 3 de março, mas no dia 26 começaram as contrações. Como o trabalho de parto, que durou 24 horas, se prolongava, a parteira do hospital me tomou pelo braço e me levou correndo à sala “de partos selvagens”, como a chamavam eles: colchão no chão, almofadas, paredes de madeira, posters e um …aparelho de som!
Uma mulher de cabelo grande e negro estava parada, sustentada por outra parteira, puxando. Ao ver nascer ao seu bebê, senti o cheiro do sangue fresco e me invadiu tal emoção que acelerou minhas contrações. Minutos depois terminei minha dilatação. Estava meio parada, mas a força do PUJO me fazia ficar acocorada, quase no chão. Vi aparecer meu bebê e o tomei com meus braços enquanto saía suavemente do canal de parto. O bebê nunca chorou. Só sorria. O coloquei no peito, eu chorando. Fio a força do parto de uma mulher desconhecida que me ajudou a “soltar as amarras de meu controle” e possibilitou a entrega.
Depois voltei caminhando para o quarto com meu bebê nos braços.”
BOX 2
PARA SABER MAIS
Laura Gutman é argentina, terapeuta familiar e escritora.
Tem onze livros publicado, em vários idiomas, além de incontáveis artigos sobre maternidade, paternidade, vínculos primários, desamparo emocional, adicções, violência e metodologias para acompanhar processos de busca pessoal. É colaboradora habitual de numerosas revistas na Argentina e Espanha.
Para difundir e aplicar suas idéias, Laura fundou e dirige “ Crianza”, uma instituição com base em Buenos Aires, na qual funciona uma Escola de Formação Profissional para profissionais da saúde e educação, grupos de mães, um serviço de “doulas” (assistentes a domicílio) para mulheres puérperes, seminários breves para profissionais, terapias individuais e de casal e publicações sobre maternidade.
Sabemos que o corpo demora em se reacomodar depois da gravidez e o parto…mas supomos que logo mais tudo vai “ ser como antes”. A maior surpresa irrompe quando o desejo sexual não aparece como estávamos acostumadas. Sentimo-nos culpadas, principalmente quando @ obstetra dá a permissão para recomeçar as relações sexuais para alegria do parceiro que com cara de satisfação pisca o olho e fica todo animado..
Mas o corpo não responde. A libido encontra-se nos peitos aonde acontece atividade sexual constante, dia e noite. O esgotamento é total , as sensações afetivas e corporais tornam-se muito sensíveis e a pele é como de um fino cristal precisando ser tocado com extrema delicadeza. O tempo prolonga – se ; qualquer ruído é incomodo, fusionamo-nos com as sensações do bebê , ou seja , a vivência de nadar num oceano imenso e desconhecido..
Tomamos a decisão intelectual de responder às demandas lógicas do homem, de satisfazê-lo e reencontra-lo . Mas não funciona … só se fizéssemos uma desconexão das nossas mais intimas e verdadeiras sensações ( muitas de nós estamos bem treinadas para isso). Em geral estamos pouco conectadas com a nossa sexualidade profunda e feminina , navegamos facilmente no desejo do outro, com o propósito de agradar e ser querida. Afastamo -nos da nossa essência e vamos nos acostumando a sentir segundo os parâmetros de outro corpo , outro gênero.. Ficamos desorientadas perante o desconhecimento das nossas próprias regras regidas por um feminino que passa desapercebido na profundidade do nosso ser essencial.
É essa essência da alma feminina que aflora com a aparição d@ filh@ e principalmente com o vinculo fusional que é estabelecido entre o bebê e a mulher florescida .
Para que compreensão leva-nos a presença do bebê?
Acho que para um lugar-estado aonde homem e mulher se conectam com a parte feminina da nossa essência e a nossa sexualidade.. é sutil , lenta, feita de abraços e caricias . É uma sexualidade que não precisa de penetração nem performance corporal, ao contrario, prefere tato, ouvido, olfato, tempo, doces palavras , encontro, música, risos, massagem e beijos.
Dessa forma não há risco, por que não fere a alma feminina fusionada .Não há propósitos, inclusive as vezes não há orgasmos já que o que importa mesmo é oencontroamoroso e humano . Há compreensão e acompanhamento da realidade física e emocional pela qual atravessa uma mulher com bebê no colo. Neste sentido é importante perceber que o bebê sempre está nos braços da mãe ; mesmo que fisicamente esteja dormindo do lado ou em outra cama . Ele participa emocionalmente no encontro amoroso entre os pais ; por isso é fundamental que seja suave, baixinho, acolhedor..
O surgimento de um filho outorga – nos a oportunidade de registrar e desenvolver pela primeira vez as modalidades femininas que tanto homens como mulheres conservamos como sendo parte dos nossos funcionamentos sociais , afetivos e é claro, também sexuais. Ou seja: sem objetivos, sem obrigação, sem demonstração de destrezas físicas…simplesmente podemos descobrir essas outras “ maneiras femininas” que enriquecerão a nossa vida sexual futura, por que integramos aspectos desconhecidos de nós mesmos.
Nós Todas – mulheres – desejamos prolongados abraços, apaixonados beijos ,massagem nas costas , conversas, olhares , calor e disponibilidade do homem . Mas o mal entendido que gera qualquer aproximação física que possa ser interpretada como um convite ao ato sexual obrigatoriamente induz a mulher a se afastar de antemão para se proteger e também recusar qualquer gesto carinhoso, intensificando o desapontamento do homem diante de um aparente desamor.
Por isso é imprescindível que feminizemos a sexualidade, durante o tempo da fusão emocional entre mãe e criança; quer dizer, ao redor dos dois primeiros anos. Isto permite curtir, e ao mesmo tempo desenvolver capacidades de comunicação e afeto que em outras circunstâncias não teríamos desenvolvido. O sexo pode ser muito mais pleno, mais doce e completo se compreendemos que chegou a hora de descobrir o universo feminino, o redondo dos corpos e a sensibilidade pura.
Acariciemos uns aos outros até morrer!!!!! Permitamo – nos coitos muito mais elevados que as meras penetrações vaginais denominadas de “relações sexuais completas” – Como se o prazer estivesse limitado por praticas esquematizadas assim…
Acho que têm uma luta cultural entre o que todos achamos que é certo e o que realmente passa-se em nós. Acontece com nós – mulheres, que não podemos mais fazer amor como antes, Os homens ficam bravos, angustiados e afastam – se , ao invés de ambos estarem envolvidos no que acontece como uma tríade (incluindo o bebê)
Por outro lado talvez algumas mulheres começamos a reconhecer -por primeira vez – o calor da sexualidade feminina, que além da excitação corporal inclui uma intensa consciência sensorial. As vezes desconhecemos os ritmos naturalmente femininos e esforçamo –nos por pertencer a uma modernidade aonde as sensações mais intimas não têm valor , não liga –se pra elas. A sexualidade precisa ocasionalmente de visitas de criaturas fantásticas, fadas e duendes que despertem com uma varinha mágica os desejos ardentes da alma das mulheres para que o sexo derrame amor e fantasia.
Nessas ocasiões suspeitamos que o sexo é sagrado e sensual: acontece quando uma brisa percorre o corpo físico , produzida por um beijo, uma palavra amorosa, uma piada, um olhar cheio de desejo. Nesses precisos momentos vibramos por nos sentir amadas e rejuvenescemos em poucos segundos em explosões de vida e paixão.
O Puerpério Por Laura Gutman (tradução livre de Flavia Penido)
Vamos considerar o puerpério como o período que transita entre o nascimento do bebe e os dois primeiros anos, ainda que emocionalmente haja um progresso evidente entre o caos dos primeiros dias –em meio a um pranto desesperado- e a capacidade de sair ao mundo com um bebe nas costas.
Para tentarmos submergirmos nas difíceis trilhas energéticas, emocionais e psicológicas do puerpério, creio necessário reconsidera a duração real deste trânsito. Refiro-me ao fato que os famosos 40 dias estipulados - já não sabemos por quem nem para que- tem a ver só com o histórico veto moral para salvar a parturiente do pedido (reclamo) sexual do varão. Mas esse tempo cronológico não significa psicologicamente um começo nem um final de nada.
Minha intenção –pela falta de um pensamento genuíno sobre o “si mesmo feminino” na situação de parto, lactação, criação e maternagem em geral- é desenvolver uma reflexão sobre o puerpério baseando-nos em situações que às vezes não são nem tanto física, nem visível, nem tão concreta, mas não por isso são menos reais. Vamos falar em definitivo do invisível, do submundo feminino, do oculto. Do que está mais além do nosso controle, mais além da razão para a mente lógica. Tentaremos nos aproximarmos da essência do lugar onde não há fronteiras, de onde começa o terreno do místico, do mistério, da inspiração e da superação do ego. Para falar do puerpério, teremos que inventar palavras, ou outorgá-las um significado transcendental.
Para nós, que já o temos transitado faz muito tempo, nos dá preguiça voltar a recordar esse lugar tão desprestigiado, com reminiscências à tristeza, sufoco e desencanto. Recordar o puerpério equivale frequentemente a reorganizar as imagens de um período confuso e sofrido, que engloba as fantasias, o parto tal como foi e não como havia querido que fosse, dores e solidões, angustias e desesperanças, o fim da inocência e o inicio de algo que dói trazer outra vez a nossa consciência.Para começar a armar o quebra-cabeça do puerpério é indispensável ter em conta que o ponto de partida é o parto, quer dizer, a primeira grande desestruturação emocional. Como descrevi no livro “maternidade e o encontro com a própria sombra ”para que se produza o parto necessitamos que o corpo físico da mãe se abra para deixar passar o corpo do bebe, permitindo uma certa “ruptura” corporal também se realiza em um plano mais sutil, que corresponde a nossa estrutura emocional. Há um algo ”que se quebra, ou que se “desestrutura” para conseguir a passagem de “ser um a ser dois”.
É uma pena que atravessamos a maioria dos partos com muito pouca consciência com respeito a este “rompimento físico e emocional”. Já que o parto é sobre tudo um corte, uma quebra, uma brecha, uma abertura forçada, igual à irrupção do vulcão (o parto) que geme desde as entranhas e que ao lançar suas partes profundas destroem necessariamente a aparente solidez, criando uma estrutura renovada.
Depois da “erupção do vulcão” nós as mulheres, encontramos com o tesouro escondido (um filho nos braços) e, além disso, com insólitas pedras que se desprendem como bolas de fogo (nossos “pedacinhos emocionais”, ou nossas partes mais desconhecidas) rodando em direção ao o infinito, ardendo em fogo e temendo destruir o que roçamos. Os “pedacinhos emocionais” vão queimando o que encontram a seu caminho. Olhamos atordoadas, sem poder crer a potência de tudo o que vibra em nosso interior. Incendiando e caindo no precipício, costumam manifestar-se no corpo do bebe (como uma planície de pasto úmido aberta e receptora). São nossas emoções ocultas que desdobram suas asas no corpo do bebe saudável e disponível.
Como um verdadeiro vulcão, nosso fogo roda por todos os vales receptores. É a sombra, expulsa do corpo.
Atravessar um parto é preparar-se para a erupção do vulcão interno, e essa experiência é tão avassaladora que requer muita preparação emocional, apoio, acompanhamento, amor, compreensão e coragem por parte da mulher e que de quem pretende assisti-la. Todavia poucas vezes nós as mulheres encontramos o acompanhamento necessário para introduzir-nos logo nessa ferida sangrenta, aproveitando esse momento como ponto de partida para conhecer nossas renovadas estrutura emocional (geralmente bastante maltratada, por certo) e decidir o que faremos com ela.
O fato é que -com consciência ou sem ela, acordadas ou dormindo, bem acompanhadas ou sós, incineradas ou a salvo- o nascimento se produz.Lamentavelmente hoje em dia consideramos o parto e o pós-parto como uma situação puramente corporal e de domínio médico. Submetemo-nos a um tramite que com certa manipulação, anestesia para que a parturiente não seja um obstáculo, droga que permitem decidir quando e como programar a operação e uma equipe de profissionais que trabalham coordenados, possam tirar o bebe corporalmente são e felicitar-se pelo triunfo da ciência. Estas modalidades estão tão arraigadas em nossas sociedades que as mulheres nem sequer nos questionamos se fomos atrizes de nossos partos ou meras expectadoras. Se foi um ato íntimo, vivido desde a mais profunda animalidade, ou se cumprimos com o que se esperava de nós. Se foi possivel transpirar ao calor de nossas chamas ou se fomos retiradas da cena pessoal antes do tempo.
Na medida em que atravessamos situações essenciais de ruptura espiritual sem consciência, anestesiadas, dormidas, infantilizadas e assustadas...ficaremos sem ferramentas emocionais para rearmar nossos pedacinhos de chamas, permitindo que o parto seja uma verdadeira transição de alma. Frequentemente assim iniciamos o puerpério: afastadas de nós mesmas.
Anteriormente descrevíamos a metáfora do vulcão na chama, abrindo e rachando seu corpo, deixando a descoberto a lava e as pedras. Analogamente do ventre materno urge o bebe real, e também o interior desconhecido dessa mamãe, que aproveita o rompimento para correr pelas fendas que ficaram abertas. Esses aspectos ocultos encontram uma oportunidade para sair do refúgio. A sombra (quer dizer, qualquer aspecto vital que cada mulher não reconhece como próprio, a causa da dor, o desconhecimento ou o temor) utiliza a ruptura para sair de seu esconderijo e apresentar-se triunfante na superfície.
O problema para a mamãe recente é que se encontra simultaneamente com o bebe real que chora, demanda, mama, se queixa e não dorme...e ao mesmo tempo com sua própria sombra (desconhecida por definição) , inabacárvel e indefinível. Porém concretamente com que aspectos de sua sombra se encontram? Cada ser humano tem sua personalíssima historia e obstáculos a recorrer, por tanto só um trabalho profundo de introspecção, busca pessoal, encontro com suas dores antigas e coragem poderá guiar-nos até o interior dessa mulher que sofre a traves da criança que chora. O puerpério é uma abertura de alma. Um abismo, Uma iniciação. Se estivermos dispostas a submergirmos nas águas de nosso eu desconhecido.
Sabemos que el cuerpo tarda en reacomodarse después del embarazo y el parto...pero suponemos que pronto todo volverá a “ser como antes”. La mayor sorpresa irrumpe cuando el deseo sexual no aparece como estábamos acostumbradas. Nos sentimos culpables, sobre todo cuando el obstetra nos da el “permiso” para reanudar las relaciones sexuales para alegría del varón que con cara de satisfacción nos guiña el ojo susurrándonos al oído: “ya no tenés excusas”.
Pero el cuerpo no responde. La libido está desplazada hacia los pechos donde se desarrolla la actividad sexual constante, tanto de día como de noche. El agotamiento es total. Las sensaciones afectivas y corporales se tornan muy sensibles y la piel parece un fino cristal que necesita ser tocado con extrema delicadeza. El tiempo se prolonga, cualquier ruido es demasiado agobiante y nos fusionamos en las sensaciones del bebé, es decir, en la vivencia de nadar en un océano inmenso y desconocido.
Tenemos la decisión intelectual de responder a las demandas lógicas del varón, de satisfacerlo y de reencontrarlo. Pero no funciona, a menos que nos desconectemos de las sensaciones íntimas y verdaderas ( para lo cual muchas de nosotras estamos bien entrenadas). Normalmente estamos tan poco conectadas con nuestra sexualidad profunda y femenina, que navegamos fácilmente en el deseo del otro, en parte con el afán de complacer y también para ser querida. Así nos alejamos de nuestra esencia y así nos acostumbramos a sentir según los parámetros de otro cuerpo, de otro género. Nos desorientamos ante el desconocimiento de nuestras propias reglas regidas por una feminidad que pasa desapercibida en la profundidad de nuestro ser esencial. Es esa esencia del alma femenina que explota con la aparición del hijo y sobre todo con el vínculo fusional que se establece entre el bebé y la mujer florecida.
A qué nos obliga la indudable presencia del niño?. A que ambos, varón y mujer, nos conectemos con la parte femenina de nuestra esencia y de nuestra sexualidad, que es sutil, lenta, sensible, hecha de caricias y abrazos. Es una sexualidad que no necesita penetración ni despliegue corporal; al contrario, prefiere tacto, oído, olfato, tiempo, palabras dulces, encuentro, música, risa, masajes y besos. En esa tonalidad no hay riesgo, porque no lastima el alma femenina fusionada. No hay propósitos, incluso a veces no hay orgasmos, ya que lo que importa es el encuentro amoroso y humano. Hay comprensión y acompañamiento sobre la realidad física y emocional por la que atraviesa fundamentalmente la mujer con un niño en brazos. En este sentido es importante percibir que el niño está siempre en brazos de su madre, aunque materialmente esté durmiendo en su cuna, es decir que participa emocionalmente en el encuentro amoroso entre sus padres. Por eso es indispensable que sea suave, susurrante y acogedor.
La aparición del hijo nos da la oportunidad de registrar y desarrollar por primera vez las modalidades femeninas que tanto hombres como mujeres conservamos como parte de nuestros funcionamientos sociales, afectivos y por supuesto sexuales. Dicho de otro modo: sin objetivos, sin obligación de llegar al orgasmo, sin demostración de destrezas físicas... simplemente podemos descubrir esas otras “maneras femeninas” que enriquecerán nuestra vida sexual futura, porque integramos aspectos que desconocíamos de nosotros mismos.
Todas las mujeres deseamos abrazos prolongados, besos apasionados, masajes en la espalda, conversaciones, miradas, calor y disponibilidad del varón. Pero el malentendido que genera cualquier acercamiento físico que pueda ser interpretado como invitación al acto sexual con penetración obligatoria, induce a la mujer a distanciarse de antemano para protegerse y a rechazar cualquier gesto cariñoso, ahondando el desconcierto del varón ante el aparente desamor.
Por eso es imprescindible que feminicemos la sexualidad, varones y mujeres, durante el período de la fusión emocional entre la madre y el niño, es decir alrededor de los dos primeros años. Esto nos permite gozar, y al mismo tiempo explorar capacidades de comunicación y afecto que en otras circunstancias no hubiéramos desarrollado. El sexo puede ser mucho más pleno, más tierno y completo si nos damos cuenta que llegó la hora de descubrir el universo femenino, la redondez de los cuerpos y la sensibilidad pura. Acariciémonos hasta morir! Permitámonos que los coitos sean muchísimo más elevados que las meras penetraciones vaginales que logran el título de “relaciones sexuales completas”!, como si el goce se limitara a tan esquemáticas prácticas.
Creo que hay una lucha cultural entre lo que todos creemos que es correcto y lo que nos pasa. A las mujeres nos pasa que no podemos hacer el amor como antes, y a los varones les pasa que se enojan, se angustian y se alejan. En lugar de estar ambos involucrados en esto que nos pasa como tríada (bebé incluido).
Por otra parte, quizás algunas mujeres reconozcamos por primera vez el calor de la sexualidad femenina, que además de la excitación corporal incluye una intensa conciencia sensorial. A veces desconocemos los ritmos naturalmente femeninos y nos esforzamos por pertenecer a una modernidad donde no se le presta atención a las sensaciones más íntimas. La sexualidad necesita de vez en cuando la visita de criaturas fantásticas, hadas y duendes que despierten con su varita mágica los deseos ardientes del alma de las mujeres para que el sexo derrame amor y fantasía.
En esas ocasiones tenemos la sospecha de que el sexo es sagrado y sensual: sucede cuando una brisa recorre el cuerpo físico, producida por un beso, una palabra amorosa, un chiste, una mirada llena de deseo. En esos precisos momentos nos estremecemos al sentirnos amadas y rejuvenecemos en pocos segundos en un auténtico estallido de vida y pasión.